QUAL O AVC MAIS GRAVE?
Por que uma pessoa que teve um AVC e se recupera completamente e outra pessoa que também teve AVC acaba morrendo ou ficando com graves sequelas? Por que algumas pessoas possuem um AVC mais grave que outras? Nesse artigo irei te explicar que há tipos de AVC que geram consequências mais graves que outros.
É muito comum fazermos comparações entre diferentes casos, pois somos condicionados a isso. Então os questionamentos sempre chegam: “Doutor Penzo, eu tenho um conhecido que teve um AVC e recuperou completamente os déficits, e eu…também vou recuperar?”, “Doutor Penzo, meu vizinho teve um AVC e precisou colocar uma válvula na cabeça, eu corro risco de colocar válvula na cabeça?”.
Então vamos lá…para compreendermos qual tipo de AVC é mais grave, é preciso entender que o termo AVC - Acidente Vascular Cerebral - contempla uma variedade muito grande de doenças que, em última instância, culmina no AVC. Dessa forma, dependendo do tipo de doença que causou o AVC, podemos ter diferentes prognósticos.
O aneurisma cerebral, por exemplo, quando rompe, causa um tipo específico de AVC hemorrágico, que é chamado de hemorragia subaracnóide (HSA). De todas as hemorragias intracranianas, ela é certamente a mais grave.
Para se ter uma ideia, a mortalidade chega até 80% dos casos na HSA aneurismática. O AVC hemorrágico decorrente do aneurisma cerebral rompido causa uma dezena de complicações como hidrocefalia (que em alguns casos, inclusive, precisa colocar válvula), espasmo dos vasos levando a isquemia cerebral, além de causar alteração cardíacas e pulmonares.
Então, se eu fosse eleger o AVC mais grave, dentre todos os tipos possíveis de AVC, eu daria o prêmio de maior vilão para o AVC decorrente do rompimento do aneurisma cerebral, a hemorragia subaracnóide. Se você quiser saber mais sobre aneurisma cerebral existe uma playlist no nosso canal exclusivamente sobre essa doença.
Os casos de hemorragia subaracóide provenientes de aneurisma cerebral, por sua vez, representam apenas uma pequena parcela de todos os AVC. Dessa forma, eu vou focar no AVC isquêmico e hemorrágico de causas mais comuns - associado à hipertensão arterial e à aterosclerose (famosa placa de gordurinha) e vou desconsiderar algumas doenças raras que podem causar AVC.
A primeira dúvida que pode vir a mente de algum paciente e familiar é: O AVC hemorrágico é mais grave que o AVC isquêmico?
É fundamental entender que a simples comparação entre AVC-isquêmico e AVC-hemorrágico não possui tanta validade para determinar a gravidade do caso. “Ah, Dr. Penzo, mas o AVC hemorrágico não é mais grave?”. Depende…
Algumas variáveis, independente das causas - isquêmico ou hemorrágico - devem ser levadas em consideração para determinar a gravidade de cada caso. As variáveis mais importantes são:
* Tamanho do AVC;
* Localização do AVC; e
* Comorbidades prévias e uso de medicações.
Assim, para avaliar a gravidade, precisamos ver o quanto o paciente TALOCO (TAmanho, LOcalização e COmorbidades).
Então, vamos lá falar um pouco sobre cada uma dessas variáveis.
1 - Tamanho ou extensão do AVC:
Um dos principais fatores determinantes de gravidade é, sem dúvida, a extensão do AVC, ou o tamanho do AVC. Quanto maior o AVC, mais tecido encefálico é afetado e, consequentemente, mais funções são perdidas.
Além disso, quando o cérebro morre ele sofre um inchaço. Dessa forma, quanto maior a área afetada, maior é o edema cerebral desencadeado por aquele cérebro que morreu.
Existe uma condição no AVC isquêmico, por exemplo, que chamamos de AVC maligno, que é quando a artéria cerebral média sofre uma obstrução proximal, isto é, um entupimento. Quando isso acontece, a maior parte do território ou todo território irrigado por esse vaso evolui com um infarto, isto é, com morte celular.
Como a artéria cerebral média é responsável por nutrir uma grande parte do cérebro, quando ela sobre uma obstrução logo no seu início antes de se dividir, o volume cerebral afetado é significativamente extenso. Assim, além da perda da função de uma grande área cerebral, nos deparamos com outro problema: o edema cerebral (ou inchaço do cérebro). Como nos casos de AVC maligno existe uma extensa área que morre, o inchaço cerebral é tão grande que acaba apertando e causando sofrimento do outro lado da cabeça que se encontra sadio.
Esses casos de AVC maligno da artéria cerebral média são tão graves que a mortalidade chega a 80% dos casos, tão grave quanto um aneurisma cerebral rompido.
E você já ouviu falar de alguém que retirou uma parte do osso da cabeça por causa de um AVC? Pois bem, é justamente por causa desse inchaço que alguns pacientes são submetidos a craniectomia descompressiva. Esse procedimento consiste em retirar um grande pedaço de osso do lado em que existe o cérebro inchado pelo AVC maligno, para que o parênquima cerebral que morreu e inchou, tenha espaço para expandir para fora do crânio e não cause uma compressão do cérebro sadio que está do outro lado.
Impressionante, não é? Se você tem mais curiosidade sobre a craniectomia descompressiva ou conhece alguém que já fez essa cirurgia, deixe seu relato aqui nos comentários.
2 - Localização
Outro fator fundamental para determinar a gravidade de um AVC é a localização. Nosso encéfalo, isto é, todo parênquima que está presente dentro da nossa caixa craniana, pode ser dividido em dois compartimentos a partir da divisão de uma membrana chamada de tentório: o compartimento supratentorial (isto é, acima da membrana), e compartimento infratentorial (abaixo da membrana).
Para efeito didático, nós podemos facilitar essa divisão em: andar superior (nos referindo ao compartimento supratentorial) e andar inferior (nos referindo ao compartimento infratentorial).
O andar inferior está localizado em um espaço muito compacto, isto é, tudo bem apertadinho, então um pequeno volume de tecido que sofra edema decorrente de um AVC isquêmico ou de acúmulo de sangue decorrente de um AVC hemorrágico, pode gerar consequências drásticas.
Além disso, esse andar inferior é uma porção mais antiga do encéfalo, sendo responsável por funções básicas, como: aprendizagem de movimento, coordenação, controle de pressão arterial e respiração. Dessa maneira, quando o andar de baixo é afetado, funções básicas responsáveis pela manutenção da vida podem ser afetadas.
Inclusive, é uma parte específica desse andar que, quando afetada, gera a síndrome do encarceramento. A síndrome do encarceramento é uma altearão rara que o paciente pode apresentar após um AVC, onde ele enxerga, escuta, mas não consegue se mexer ou falar. Essa síndrome é tão interessante que eu fiz um vídeo somente dela e contei a história emocionante de uma mulher que desenvolveu essa síndrome. Continuando a falar sobre o andar inferior, por ter pouco espaço e ser responsável por funções extremamente vitais, os AVC de fossa posterior podem ser extremamente mortais.
Além dessa divisão de andares superiores e inferiores, nosso cérebro pode ser dividido através dos hemisférios, direto e esquerdo. E existe um hemisfério que é responsável pela linguagem, e esse hemisfério é denominado de hemisfério dominante. Na maioria das pessoas o hemisfério dominante é o lado esquerdo. Dessa forma, o AVC que acomete o lado esquerdo do cérebro, além de poder causar fraqueza do lado contra-lateral, isto é do lado direito, também podem causar alteração da linguagem. Por isso, algumas pessoas além de perderem o movimento, também perdem a capacidade de falar.
Em resumo, quanto a localização: Os AVCs que envolvem o andar de baixo (estruturas infratentorias) e o hemisfério esquerdo (dominante) geralmente são mais graves.
3 - Doenças prévias e uso de medicação
Por fim, as comorbidades prévias e as medicações. É fácil compreender que quanto mais doenças o paciente possui, maior pode ser o risco inerente ao AVC, afinal de contas, o paciente precisa lutar não somente contra a doença que desenvolveu, mas também com todas as outras patologias que já possuía.
E no que se refere as medicações, o uso - por exemplo - de anticoagulante (medicação que afina o sangue, usado em alguns casos de trombose e de arritmia do coração) pode fazer com que um AVC hemorrágico seja fatal, pois esta medicação impede que o organismo consiga estancar o sangramento.
Esse foi um resumo de três pontos crucias que nós especialistas avaliamos para determinar a gravidade e prognostico do AVC. Acredito que vocês já perceberam que a preocupação não é somente com qual o tipo de AVC (isquêmico, hemorrágico), mas também devemos levar em conta a extensão, a localização e as comorbidades prévias e medicações. Como existem muitas variáveis que influenciam na gravidade, é muito complicado comparar um caso com outro! Cada caso carrega uma peculiaridade diferente. Você pode se perguntar então: "Pra que entender e saber de tudo isso, Doutor?".
Meu principal objetivo com tudo isso, além da difusão do conhecimento claro, é que você entenda a importância de investir esforços na prevenção do AVC. Afinal, é muito melhor prevenir do que lidar com todas essas variáveis de consequências e gravidade.
Por fim, eu estimulo todos a realizarem um check-up preventivo. A consulta com um neurologista pode ser útil para fazer um rastreio ativo de alterações que possam ser um risco para o desenvolvimento do AVC.
O conteúdo desse artigo também está no nosso canal do Youtube, em formato de vídeo, facilitando ainda mais o compartilhamento de conhecimentos. Quanto mais pessoas tiverem entendimento sobre o assunto, maior vai ser a conscientização da importância do tratamento precoce e preventivo.
As doenças cerebrovasculares são complexas e necessitam tanto de tratamento adequado quanto de prevenção. Portanto, agende uma consulta para garantir que tudo está bem ou, na pior das hipóteses, tratar o problema antes que aconteça algo pior. Nossa equipe fica a disposição para auxiliar você no cuidado do maestro do seu corpo: seu cérebro.